Por Bruno Oliveira Castro
O setor agropecuário brasileiro vive um momento de profunda inquietação. Apesar de a safra 2025 indicar recordes na produção de milho e crescimento significativo na colheita de soja, o agronegócio assiste a um aumento vertiginoso da inadimplência. Em resposta, instituições financeiras, como o Banco do Brasil, têm anunciado maior rigor na concessão de crédito e medidas judiciais contra escritórios de advocacia, numa tentativa de conter o que consideram fraudes no uso da recuperação judicial. Mas esse movimento exige reflexão.
A inadimplência não é fruto de má-fé generalizada. Ela é, em grande parte, resultado de um conjunto complexo de fatores: clima instável, variações cambiais abruptas, juros altos, queda nos preços internacionais das commodities e uma política econômica nacional que ainda carece de estabilidade. O produtor rural brasileiro, especialmente o pequeno e médio, opera em um ambiente de risco constante, muitas vezes sem as ferramentas adequadas de proteção e planejamento.
É nesse cenário que o instituto da recuperação judicial surge como uma via legítima – e prevista em lei – para permitir a reestruturação de empresas e propriedades rurais que enfrentam dificuldades financeiras momentâneas. A Lei 11.101/2005, inclusive, foi alterada em 2020 para permitir expressamente a entrada de produtores rurais na recuperação judicial, reconhecendo as particularidades e vulnerabilidades desse segmento.
Claro, é preciso combater fraudes. Mas não se pode transformar exceções em regra. Acionar judicialmente escritórios de advocacia, sem a devida separação entre quem atua dentro da legalidade e aqueles que distorcem o uso do instituto, é um grave precedente. A advocacia é função essencial à administração da Justiça e deve ser respeitada, inclusive por aqueles que integram o sistema financeiro.
A crítica generalizada à atuação dos advogados em processos recuperacionais é perigosa, pois pode enfraquecer a confiança em mecanismos legais construídos para dar suporte à atividade econômica. Mais do que isso, desconsidera o papel da advocacia consultiva e estratégica – aquela que orienta o empresário ou produtor rural a estruturar seus negócios com responsabilidade, transparência e previsibilidade.
Neste sentido, a governança assume protagonismo. Empresas que adotam boas práticas de gestão, que possuem conselhos deliberativos, auditorias, protocolos claros de sucessão e instrumentos como holdings patrimoniais e operacionais, estão mais preparadas para enfrentar crises. A governança não elimina o risco, mas o mitiga – e permite que decisões sejam tomadas com base em dados, cenários e critérios técnicos, e não apenas em pressões de curto prazo.
É preciso avançar na regulação e no acompanhamento da recuperação judicial, mas sem criminalizar indevidamente os instrumentos legais nem os profissionais que atuam com ética. A recuperação judicial não é mecanismo de burla, mas sim de reorganização. É direito. E como todo direito, pode ser mal utilizado – mas isso não justifica o desmonte da estrutura jurídica que o sustenta.
A resposta à crise no agronegócio passa por responsabilidade fiscal, social, ambiental, planejamento estratégico, investimento em inovação e diálogo. Envolve os governos, os bancos, as associações e sindicatos, os produtores, o judiciário, os advogados e a sociedade. O caminho não é o do embate raso, mas da construção de soluções sustentáveis e juridicamente embasadas.
Bruno Oliveira Castro é advogado especializado em Direito Empresarial e sócio da Oliveira Castro Advocacia. Sua expertise abrange constituição de holdings familiares, Direito Empresarial, Societário, Falência e Recuperação de Empresas, Governança Corporativa, Direito Autoral e Direito Tributário. Atua como administrador judicial, professor, palestrante e parecerista, além de ser autor de livros e artigos jurídicos. Em 2024, lançou o livro “Herança ou Legado? O que você deixará para a próxima geração?”



